sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Não se pôde ouvir nada além do cortante silêncio habitual. Vê-la ali sentada, abraçando os joelhos fez com que Edgard retomasse algumas sensações antigas. Ele bem sabia que ela não diria nada. Continuava, depois de tanto tempo, sem entender direito o que era aquilo. Não entendeu na época, não entendia agora, e começava a achar que não entenderia nunca. Joana tinha bagunçado as coisas na época, bagunçava agora, e começava a achar que não deixaria de bagunçar nunca.
Antes de tocar no seu cabelo, quis entender por que a amava tanto. Entendeu que não tocaria nunca se precisasse entender. Não conseguia. Entendia de história, de Geografia, mas não de Joana. Ela lhe parecia uma matéria distante. E ao falar de Joana, por vezes percebia que estava falando também de amor. Foi quando sentou-se ao seu lado.
Naquele momento, sentiu um vento frio passar no meio dos dois. Se sentiu um desconhecido, e dessa vez já não a conhecia. Não soube muito bem o que falar. Tentou disfarçar o nervosismo, tentou olhar nos olhos dela, mas no fim das contas, precisava se livrar daquele monte de palavras guardadas por tanto tempo em locais dos mais diversos, e que só agora seriam entregues para Joana, como dentro de um embrulho, fechada com laços como os que ela um dia usou no cabelo. Ela já não usava laços no cabelo. Talvez não usasse mais as palavras que um dia ele lhe disse e que já não sabia bem o por que. Mas, lhe daria essas novas palavras e as deixaria ao seu dispor. Não tinha certeza do que iria conseguir com isso, e no fundo achava que lhe restaria apenas mais silêncio, mas sentia-se obrigado a falar.
E como uma flor teimosa que desabrocha em pleno outono, as palavras foram saindo de sua boca e fugindo ao seu controle, como se aquele perfume que há tanto tempo o escapara, o deixasse anestesiado e tomasse para sí o destino de ambos. À medida em que falava sentia-se cada vez mais fora daquele lugar, de um lugar longe o suficiente para olhar sem ser visto. E de lá ficava olhando para os dois. Olhava para aquele casal em que um dia teimou em acreditar e agora, por vinte ou tritna minutos, precisava somente escutar.
Mais uma vez, não houve um casal. As palavras que desabrochavam de Edgard, permaneciam ali soltas rondando a cabeça e o coração de Joana que teimava em não aceitá-las. Edgard já era capaz de achar graça disso tudo. Talvez por que não tivesse o controle das coisas, ou talvez por que a amasse mais do que ela era capaz, não conseguia se incomodar com tudo aquilo.
Começou a chover dentro e fora de Edgard. Naquele altura ele já não esperava ouvir mais nada. Esperava apenas que a chuva viesse molhar os olhos de Joana pra que se misturasse com seu brilho natural e resultasse naquilo que sempre o impressionou. Não precisava do amor de Joana. Precisva só dos seus olhos. E de algum modo, naquele momento arrancou-os de dentro dela e decidiu levá-los consigo. Não pretendia mais que ela os mostrasse a cada dia, seriam de Egard, sem o seu consentimento.
A chuva foi parando e Edgard foi entendendo, sme Joana dizer nada, que o amor dos dois seria sempre assim. Um dia, ela lhe roubou o coração, ele lhe roubou as palavras. Um dia, ele lhe roubou um beijo, ela lhe roubou o sossego. Um dia, ela lhe roubou o sossego, ele lhe roubou os sentidos. Talvez um dia, pudessem os dois, juntar o coração, as palavras, os beijos, os sentidos, os amores, pra viverem em fim, sossegados.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

E começou assim:


" Para você ir sabendo,

Hoje, pela milésima vez, acordei sem querer acordar. Queria ficar alí com os olhos fechados, para talvez continuar mais um dos incontáveis sonhos que tenho com você. Você não sai do meu pensamento. Você não sai de mim. E não há banho que resolva. Não há filme que distraia. Não há amor que faça esquecer. No final das contas, eu ainda amo você. E fico me achando engraçado, quando procuro feito um bêbado, você em outras pessoas. Procurando aquele romance que é só meu e seu, em qualquer outro lugar, que não em você. E você segue fugindo, Amanda.
Você foge pra algum lugar, onde minhas mãos não chegam. Você foge como quem esperasse achar alguma coisa outra. Mas o que é que você quer, Amanda ? Uma vez você disse que me amava, lembra ? E agora, Amanda ? Ainda ama ? Uma vez tracei um plano( que talvez ainda ponha em prática). Pensei que nunca mais falaria do meu amor por você, até o dia da sua formatura. Nesse dia, iria invadir o salão e pedir você em casamento. Mas sabe do que mais ? Acho que você diria não. E eu aprendi a conviver com o seu não. Esses meus outros amores, são todos bons. Todos me fazem bem, mas no final das contas, eu ainda amo você. Nunca sonhei tanto tempo com uma pessoa só, Amanda. Desde o colegial. Eu achei que o tempo iria me fazer esquecer, mas passado tanto, eu ainda sei dizer que te amo. Quando você vai entender isso, Amanda ? Me faltam músculos ? Me sobra amor ? Não preciso mais lhe entender. Já aprendi a lhe amar apesar da distância.
Sabe, ontem eu escrevi uma música. Depois que ficou pronta, lí e achei que era sem sentido. Mas depois de um ou dois minutos, ví que falava sobre você. Isso, por que todos os meus sentidos apontam pra você, Amanda. E tudo meu que é sem sentido, também. Fiquei parado, pensando que talvez um dia os nossos sentidos sejam os mesmos. Talvez um dia, nós dois venhamos pelo mesmo sentido. E nesse dia, Amanda, eu vou sentir você com todos os meus sentidos. Nesse dia, Amanda, talvez, todo esse amor no qual eu ainda acredito, possa enfim fazer sentido.
Amanhã estou embarcando para Havana. Estou levando meia dúzia de roupas na bagagem e você. Em cinco anos eu volto. Aí, talvez já tenha dado tempo de você me amar o suficiente. Ou talvez você vá me ver no aeroporto. Ou talvez me telefone. E ainda agora, e depois de mais cinco anos, eu sei que no final das contas, eu ainda vou amar você."

Salvador, Por não se sabe quantas primaveras...

sábado, 29 de novembro de 2008

Terminou de empacotar o último disco e suspirou. Atirou na cama a última caixa e sentiu-se, de verdade, indo embora. Achou que deveria olhar bem para aquela cena antes de sair. Achou que devira olhar bem para sí mesmo antes de sair. E olhou. O armário já não tinha a sua cara. Já não tinha toda a emoção a qual tinha lhe dedicado. Nada mais de discos de vinil que nunca seriam escutados, nada mais de adesivos diferentes, nada mais de poesias secretas guardadas em caixas de sapato. Todas essas coisas, afinal, só tinham feito algum sentido duas vezes: no dia em que alí foram colocadas, e agora quando não estão mais lá. Mas era enfim o seu armário. E era uma das poucas coisas por alí que podia ter como sua. Além disso, suas idéias. Essas sim eram suas.
Olhando para sí, teve a noção de que levaria muito mais coisas do que havia colocado no armário na primeira vez em que o organizou. As coisas lá dentro e aqui fora, e dentro dele, haviam crescido e se multiplicado. Sentia-se maior do que quando começou o armário. Sentia-se tão maior, a ponto de não caber mais naquele armário. Precisava de novos armários pra se caber.
Sentou-se na cama para chorar. Era a primeira vez que fazia isso de propósito. Todas as outras vezes em que chorou, chorou por não caber mais naquele armário. E agora, vendo-o vazio, vendo-o pedir pra que um dia um pedaço seu volte a estar alí, ele perdoou o armário, que afinal, só fez o seu papel.
Olhando mais para dentro de sí, viu muitas coisas novas, realmente. Ainda sentia saudades de Maria Helena, mas era capaz de suportar a hora certa. Ela chegaria. Uma coisa não mudou, sentia ciúmes e contiuava a esconder. Talvez daqui a mais um tempo parasse de sentir. Ou de esconder. O fato é que por enquanto iria ficar mesmo por alí se roendo. Sorriu ao lembrar das insistentes perguntas de Maria Helena sobre os seus pensamentos. Sobre o seu silêncio. Era medo. Um medo, num misto quente de Insegurança e zelo, que resultava naquele ciúme quase incontrolável. Alguns amores aconteceram, alguns estavam acontecendo, mas gostava de apesar de tudo, amar Maria Helena. Por vezes se sentiu culpado por manter dois amores em seu peito, mas quase sempre preferiu culpar a ela, que teimava em ser amada tão grandemente.
Puxou o rabo do gato que dormia embaixo da cama pela última vez naquele quarto. Misturou lágrimas e risos quando constatou que incrivelmente, o gato não o havia mordido como de costume. Era como se ele também se despedisse.
As paredes, essas pareciam aliviadas. Não mais teriam que escutar horas e horas de desabafos, tampouco receber aqueles posters ridículos com frases ridículas de revolucionários e cantores , que no mais, sao todos ridículos. Ficou feliz por ter sido assim. Se tivesse uma máquina fotográfica, tiraria uma foto. Mas não tinha. Tinha os olhos e a memória. Guardaria aquele armário, dentro daquele quarto, dentro daquela casa, dentro daquele menino, do proprio jeito como estavam agora.
Saiu e fechou a porta. Ao mesmo tempo que se pudesse, levaria consigo, na sacola, o quarto e o armário, sentia-se animado pelos armários que viriam. Sentia também uma enorme curiosidade, e se pudesse perguntaria, pra saber como o armário que tinha sua cara, iria se comportar agora, com novas caras. Talvez abrigasse lençois ou toalhas de mesa, e se um dia se sentiu chateado pela bagunça, agora sentiria saudades de todas aquelas novidades. Ficou triste pelo armário. Mas pensando bem, o pobrezinho merecia um descanso. Pensou que talvez, guardar roupas de cama, significasse a aposentadoria para os armários. Riu-se.
Olhou através da porta e viu que ele e o quarto estavam meio vazios agora. No etanto, levavam um pouquinho um do outro. Escreveu dois bilhetes antes de sair. Um para o quarto, e outro desaforado para Maria Helena. Queria dizer a ela o quanto estava indignado por não terem se casdo. Mas talvez se casassem um dia. Ele a amava.
E foi pensando em Maria Helena, que ele foi saindo do quarto, da casa, de sí, e nem mesmo se deu conta de que começava a ser engolido pelo furacão que engole quem não tem um quarto. Nem se deu conta de que naquele momento, perdia um pouco da sua identidade. Perdia um pouco da sua cara. E perdia por que acabava de perder o seu armário e por que nunca houvera tido o amor de Maria Helena. Antes que fosse sugado, completamente, ergueu a cabeça e decidiu que daquele momento em diante, sairia em busca de um outro armário seu. Não esses armários a que todos procuram onde so cabe dinheiro. Procuaria um armário ao seu gosto. Onde coubessem ele e todo o seu amor por Maria Helena. E alí viveria até o dia em que morresse. Morresse de ciúmes.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Começava a ver as coisas mais tortas do que costumava, achou que seria a hora de parar com aquilo tudo. Em nome das suas duas filhas, e da sua mulher falecida, apartir dalí não botaria mais um pingo de alcool na boca. E sabia que iria cumprir. Ele sempre cumpria. Achou que deveria aproveitar aquele último porre. As coisas quando sao últimas, tem um sabor especial. Pode até ser que mais lá na frente nao seja a melhor coisa a ser feita, mas por serem últimas são diferentes. Olharia pela ULTIMA vez o mundo sob aquela ótica. A ótica de um bêbado. Em geral, essa forma de ver a vida é descartada pelos não-bêbados.Mas ninguém pode negar: é uma outra forma de ver as coisas. E ele, que sempre andou tão insatisfeito com as coisas não-tortas do mundo real, arrumou nessa, uma maneira de escapar , ainda que temporariamente de toda essa falcatrua. Até por que, sempre lhe abateu a dúvida de como seria um mundo em que todas as pessoas andassem bêbadas. Já no final dos seus dias de alcoolismo, esteve certo de que não seria muito interessante. Nem todas as pessoas tem a capacidade de serem bêbados, assim como ele tinha. Em 20 anos de bar, nenhum espetáculo, nenhuma briga, duas ou três quedas no máximo, e muito silêncio e reflexão. Beber, para ele, era uma forma de nostalgia.
Mas enfim, aquela seria sua última vez. Passando por aquela tao significativa ultima vez, pensou em todas as outras as quais atravessara por toda a sua vida. E como conseguira até aqui fazer disso um pacto. Janete, foi seu último romance. Depois dela, nem mais uma olhadinha nas pernas cruzadas das moças da praça. Foi fiel até o dia em que a morte a levou. E mais, ainda era. Aquela briga com um rapaz colega de faculdade dela, foi a ultima cena de ciúmes. Ver ela entrando na universidade, foi a última insegurança que sentiria em relação ao amor dos dois. Sandra seria sua última filha. Rambo, o último filme de Holliwood. Aquele na formatura de sua filha, o último gole de coca cola. Ele era fiel às suas promessas de fim.
E agora mesmo, olhando e pensando em todas aquelas coisas, imaginando sua filha entrando na universidade, e se sentindo orgulhoso por nunca tê-la feito passar vergonha por causa da bebida, e agora quando a terceira idade lhe batia na porta, havia chegado sozinho, sem ajuda do dicionário, à certeza de que não deveria mais beber álcool, tinha em mente duas coisas: estaria bêbado o suficiente para mudar o modo de ver as coisas sempre que preciso. E a certeza de que vinho branco lhe botava comovido como o diabo.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

- Você sabe da tesourinha ?
E ela continuava falando. Eu que ja admitia o dom de nao ouvir essas falas, e responder àquela cacetada de perguntas que nunca chegariam a lugar nenhum, e que ela continuava achando que serviam para uma boa convivencia, insisti na pergunta.
- Você sabe da tesoura de unhas ?
E ela continuava falando. ME dei conta de que ela nao sabia da tesourinha e me coloquei a procurar. Na verdade ela nao sabia da tesoura, e nao sabia de muito mais coisas. Como quase ninguem sabe, mas me preocupava o fato de toda essa ignorancia ter sempre atravancado o meu caminho. E eu já contava nos dedos a chance de passar adiante dalí. E não que eu soubesse das coisas que ela nao sabia. Em muitas, nao sabiamos ambos. Mas há outras que devem ser entendidas, que devem ser buscadas e que devem ser respeitadas.
A tesourinha estava atrás do porta-retratos. Fiquei olhando, sem olhar, para ele e pensando na minha vida. Eu nunca saí por aí falando de liberdade desse tipo. Dessa liberdade de sair de casa. Essa liberdade que levou grandes amigos meus a entrarem na universidade em cursos que pura e simplesmente dão dinheiro. Eu não. Havia quem profetizasse para mim, uma morte por inanição. Mas eu pouco me importei durante todo esse tempo. Na verdade, eu sempre sustentei a crença de que eu seria capaz de criar um mundo no qual habitassem unicamente as pessoas convidadas por mim. VIm descobrindo que há pessoas para atravancarem o seu caminho.
Ia começando a cortar a unha quando passei a pensar em felicidade. Eu vinha de uma semana feliz. Chegar nesse mundo real, nessa coisa de sempre, me parecia uma contradição. A felicidade, deve mesmo ser uma coisa de momento. Isso que passa num vapt-vupt, e que chega na com um pouquinho mais de aviso. Então eu entendí que eu vivia alguns mundos. E esses mundos, sao criados nao por mim, mas pelas pessoas que permanecem neles. As pessoas, as sensações, as cores, a movimentação das coisas, a presença ou ausencia de determinados sentimentos. Nesse em que estou agora e escrevendo, a felicidade tem acesso restrito. Parece que nao gosta muito do lugar. No que eu estive a pouco, ela fica quase sempre. E ela fica por que ela está. E ela está por que nao depende do lugar, nem do humor desse ou daquele, disso ou daquilo, depende unicamente da presença do amor. Há de se amar alguma coisa pra ir ganahando a felicidade. Nesse meu mundo de agora há também menos amor.
Cortando a unha do dedão do pé, me lembrei das coisas que ela nao sabia. Ela nao sabia da felicidade, e muito menos do amor. Eu que tentava saber dessas coisas, estava certo de que nao sabia cortar minhas proprias unhas...

domingo, 27 de janeiro de 2008

Depois de ter ouvido Love Me Tender, por umas 772 vezes, eu já nao tinha dúvidas. O que eu tinha era saudade. Era como se metade de mim tivesse ido embora com ela. Eu sem ela, era só metade de mim. E pouco me importava se a voz do bom senso, berrasse nos meus ouvidos que dentro em pouco ela estaria de volta aos meus braços. Todo tempo sem ela pra mim é muito. Eu sempre achei essa coisa de saudade, um exagero dos amantes, mas agora, que sinto-a realmente, ou por que enfim sou um amante, começo a odiar a saudade com todas as minhas forças. Ou metade delas, posto que a outra metade, sem Danielle, não está comigo.
Aí eu fui chegndo perto de uma definição sobre o amor. E eu nem precisava. E ninguem precisa. É uma bobagem ficar correndo atrás de explicações logicas pra uma coisa que deve unicamente ser sentida. E ser vivida. E não pra ficar na saudade. Corri pra escrever alguma coisa pra ela, como uma carta que nunca será entregue. Mas que será superiormente publicada. Publicada para os que também tiverem saudades, e para os que virão a ter.

"Enquanto a chuva molha o asfalto, eu fico contando quando passa o mal
Todo esse tempo se tem ver me prova, que é só com você que há meu carnaval
Eu sinto tanto ,eu sinto sua falta, que quando eu te vir vai ser sensacional
Eu sinto muito por qualquer bobagem, me dá um beijo enorme me faz ser ideal.

Enquanto o tempo demora passando, eu fico passado, olhando pro chão
Aí aos poucos eu aprendí sozinho que pra essa saudade, nao tem solução
Nem o telefone nem a internet, nada disso serve como tradução
Pra tudo que eu sinto, e seu eu te vir chegando, acho que vou morrer de tanta empolgação

Eu queria tanto ter voce por perto, e nem sei ao certo quando vou te ver
Fico calculando marco calendário quanto tempo falta, venho te escrever
Vou te ligar, te dizer que te amo, e te pedir, meu bem não vá me esquecer
Essa saudade só me dá certeza, de que tudo o que eu quero é amar você."

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Alí, naquela posição, com os braços apoiados no joelho, ele pôde ter a certeza: era impossível amá-la.Via as lágrimas caírem no chão, como quem olha para o mundo. E chorava mesmo. E com vontade.Foi só mais uma razão para se voltar para seu mundo interior, enquanto tivesse que estar naquele lugar. Mas que lugar.Talvez a sua indignação não fosse propriamente com o lugar, mas o que ele representava. Durante toda a sua vida, funcionara como uma prisão, se não o deixando fixamente alí, o impedindo de viver o que há de ser vivido. E estava decidido. Durante todo aquele tempo, havia amadurecido uma idéia que agora lhe parecia óbvia: ele não tinha que amá-la. Foi lavar o rosto e teve a impressão de ter ouvido a torneira estalar, tamanha a força com que a apertou. Estava mesmo nervoso. E ninguem, nem ele mesmo, se sentia capaz de lhe pedir calma. Qual o que ?! Durante todos esses anos, havia tido calma. Agora seria um pedaço de pau.Nao falaria nada. Nao sorriria, nem gritaria. Seria mesmo indiferente. Lavou o rosto sujo de lágriamas, e depois de secar se olhou no espelho como se prometesse nunca mais chorar daquela maneira.Era a primeira vez depois de tanto tempo, que sentia próxima a época de sair daquele lugar.E não voltaria. Ele agora sabia: nunca iria amá-la. E ele bem que se esforçou, mas pensando bem,no fundo sempre soube que seria impossível. Ela era tudo o que ele criticava, ela era tudo o que ele não queria. Pensou que talvez nao fosse preciso sair do lugar, para sair dela.Pois alí, naquela noite, em que se repetiam muitas coisas, uma coisa era nova. Naquele momento ele começava sua caminhada pra longe dela.Uma caminhada estática e pessoal, mas que se iniciava como a mais longa das viagens já feitas até então.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Quando se tem oitenta anos, são poucas as coisas que realmente lhe importam. Talvez o amor,talvez sua família, ou até mesmo o seu cão, mas ainda assim, são poucas as coisas. Não que eu tenha oitenta anos, ou que seja um cientista estudioso do assunto. Não, não é isso. EU apenas paro às vezes, e fico imaginando como é ter oitenta anos. Gosto de pensar de como nessa fase da vida, o mais indicado é nao se preocupar com nada. Nada de vaidade, nada de rancor, nada de inveja. Viver aos oitenta anos, é exemplar. E isso, por que não quero falar dos oitenta e cinco.Dá pra imaginar ? Sabe aquelas coisas que você escreve contando o que voce sente. Aquelas que você escreve desinterassadamente, e há sempre alguem incomodado, ou a lhe censurar. Você não precisa mais escrever. Aos oitenta anos você nao precisa de mais muita coisa a dizer. Você não sente mais ciúmes da mulher que ama. Você agora, pela primeira vez na vida, admite que roía as unhas só me pensar naquele cara. Não tem mais medo da sua insegurança, e passa a ter noção do tamanho da vida, frente a todas essas bobagens. Sim, você já amou. Se tiver a sorte de estar com alguém em plenos oitenta anos, isso, essa pequena grande coisa, já será o bastante para que eu me encontre feliz. Sabe ? Se aos oitenta anos voce tem a sorte de ter a mulher que amou, muito provavelmente por toda a vida, você não precisa de mais muita coisa para ser feliz. Você vê todas aquelas crianças e sente saudade, mas se sente feliz por ja ter feito tudo aquilo que hora elas fazem e que futuramente farão. Você já comeu o pão que o diabo amassou. Você também já amassou alguns pães. Me imagino sentado na frente das casa, esperando que ela me traga o café, e dizendo duramente para que o cachorro nao morda o meu chinelo. Quando se tem oitenta anos, é porque já se teve de tudo na vida. Ou não se teve muito.Quando nada se teve oitenta anos. Mas uma coisa já é sua. A certeza de queas coisas irão se acertar. E sabe do que mais ? Melhor do que ter oitenta anos, é ter 50 anosde casado. E uma vida inteira ao lado de alguém... Por fim, acho mesmo que o melhor, é ter oitenta anos desde os 20.

sábado, 12 de janeiro de 2008

Um sol de meio dia na cara, um real e pouco guardados no bolso, e uma vontade louca de tomar água. Na verdade, ela naquela idade, nao tinha mais muito o que fazer, senão caminhar pela rua e torcer pra chegar logo em casa. Sim, chegaria nervosa. E gritaria com os quatro cantos. Depois sentaria com agulha e linha, na frente da televisão, e faria alguma coisa pra Darlene. Era sua afilhada, muito, muito amada.
Por um momento jogou a linha de lado e estava decidida a ir ao banheiro. Passou como sempre passava pela foto do Arnaldo, mas dessa vez foi diferente. Talvez por que vinha de algum lugar, talvez do seu proprio coração, aquela musica que ela costumava lhe dedicar. Curiosamente o trecho em que ela se despedia definitivamente, deixando a certeza de tê-lo amado tanto quanto pôde. Voce já sabia Arnaldo ? Sabia que um dia eu passaria a sentir sua falta, mesmo depois de velha, e mesmo quando o corção ja está meio indiferente a esse tipo de coisa? Voce sabia que eu te amava, Arnaldo ?
Pensou que poderia ficar alí parada por mais uma semana, só olhando aquele rosto lindo, e se alimentando daquilo que sempre lhe pareceu um sorriso torto. E quem podia deixar de prever, não é mesmo Arnaldo ? Nada mais natural, não é mesmo?
À essas alturas, Darlene já invadia a casa com seu namorado, o tal do Gabriel. Olhar para aquele rapaz, fazia com que me lembrasse das coisas boas da vida. Lembrei do Arnaldo. Parei de olhar a foto, e voltei a sentar para costurar. Tentei imaginar um mundo repleto de Arnaldos. Seria lindo. Não seria necessária a existencia das leias, nem da ordem, nem da policia. Se a Terra fosse uma Arnaldolândia, seriamos todos felizes. Isso por que eu teria que viver com ele. Eu existo menos longe do Arnaldo. Queria vê-lo mais uma vez. Diria tudo o que sinto, e esperaria ele me olhar como quem nao me entendia, mas que no fundo, eu sei que entendia. Faria carinho por todo o seu corpo, como sempre fiz, e adorei olhar para ele e sentir todo aquele amor. E ele pouco expressou. Mas expressava. Com aqueles olhinhos brilhando. Com aquele precisar de mim.
Levantei rapidamente, voltei-me para Darlene, e perguntei ansiosamente:
- O que voce acha de termos outro cachorro. Outro tao amigo quanto o Arnaldo.
Ela sorriu, como se esperasse essa pergunta desde o dia, em que por motivos de urgencia, o Arnaldo foi-se embora pra fazenda, e nunca mais se acostumou com a vida num prédio.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Sorriu ao terminar de fazer a barba. Sorriu por perceber que agora, fazia a barba por um motivo lógico.. É incrível como essas coisas ganham sentido de uma hora pra outra. Olhou para o gato na janela e quis pedir desculpa por qualquer coisa até aqui. Pensou um pouco e achou que seria demais. O Euclides estava certo: ele andava meio estranho. E por falar no Euclides, sempre soubera que o errado era este, que fugia de algumas coisas como o diabo foge da cruz. Deu um sorriso de canto de boca, e resmungou consigo mesmo:
- O Euclides é um coitado.
E cada vez mais sabia que era. Sim eles eram amigos, mas isso nao mudava o fato de o Euclides... cada vez menos o Euclides importava. Nunca diria a ele o que pensava, mas enquanto nao mudasse essa postura medrosa, nunca deixaria de achá-lo um coitado.
Sentou-se na cama para calçar o sapato e deu um suspiro daqueles. Ele andava meio estranho. Tava nessa coisa de achar tudo muito mais simples, sabe como é? Amarrou o cadarço e foi-se embora.
Passou pela venda e viu a Carmelina. Ah ! Pensar que um dia ela tenha sido tudo o que ele sempre quis. Agora olhar para ela significava pouco mais que uma lembrança. Mas como fazer com que acreditassem nele ? No mais, nem precisava disso.
E do que era que precisava ? Ele bem sabia. Todos bem sabiam. E nao tinhha vergonha de assumir. Seria assim e pronto, gostasse o Euclides ou não. E o Euclides bem que podia se ajeitar com a Carmelina. Mas pensando bem, O Euclides era um coitado. E agora pelo caminho, que sempre achara tão estranho, nao tinha medo nem receio de ter a certeza de que o Euclides era um coitado.
Coitado mesmo. Coitadíssimo. Coitado por que nao acreditava no amor. Por que tratava as mulheres como metas, e por que fazia pouco caso dele, que enfim, não era um coitado. Nos ultimos tempos, aquele caminho horrível, tava ficando bonito. E sabe quem deixou ele bonito? Será que o Euclides sabe ? Foi o amor, Euclides. Esse que agora me deixa estranho, que me causa aquele friozinho na barriga que voce nao ira sentir enquanto for um coitado.
Respirou fundo e teve a certeza de que acreditava no amor. Teve mais certeza quando se lembrou que estava indo ao encontro dele. Por aquele caminho feio, encontrar a coisa mais linda que ja lhe aconteceu. E o Euclides ? Com quem encontraria ? Eu estou de caso com o amor. E é coisa dessas duradouras. Enquanto o nome dela for escrito no seu coração. Sentiu vontade de soletrar o nome dela em voz alta, e o fez:
-E-L-L-E-N
Era tudo o que ele queria ter naquele momento.
Assoprou o nada, eteve a nítida certeza de que não só o Euclides como todos os que teimassem em duvidar dele, e do amor, seriam coitados.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

E era coisa da boa. Enchia os olhos de quem visse. Dava vontade de rir sem nem saber por quê. E meus olhos ficaram parados, olhando aquilo, de modo que meu corpo, ainda que quisesse, não sairía do lugar. Juro que tentei. Mechi uma perna, a outra. Mas a força que aquilo tinha, era maior. Era tão forte que me sacou fora do corpo. Levou-me até uns poucos anos atrás.
Estranhamente o ano em que eu saí de casa. E foi na hora em que eu saí. Deu pra ouvir, e ver todos aqueles gritos, minha mãe me olhando com raiva, eu me enchendo daquilo tudo... A pior parte foi aquela em que eu levantei bufando de raiva, olhei para ela que já não era muito minha mãe, e berrei:
-Vou-me Embora.
Esperei que ela chorasse, que me pedisse pra ficar. Que dissese que as coisas seriam diferentes. Agora, no presente, não naquela época, acho graça disso. Acho graça, da certeza de que ela jamais faria isso. E não faria, pelo simples fato de que ela ser quem é.
Era tudo o que eu queria ouvir. Um timido "tem certeza?", já significaria uma mudança de idéia para mim. Eu não tinha noção de para onde estava indo. Eu não tinha noção do que estava fazendo. Mas era assim lá em casa. Eu e ela eramos absolutamente iguais nesse ponto. Nunca, nunquinha, dávamos o braço a torcer. Isso era coisa de gente frouxa. E eu arrumei as malas, fechei, e no fundo, ainda esperava que ela me pedisse para ficar. Estranhamente tive sede, quando ja estava pronto pra sair. Bebí a água, como sendo a última vez que faria aquilo. E seria, naquelas circunstancias. Passei pela mesa da cozinha me esbarrando, e peguei um pedaço de rapadura que caiu no chão.
Fui-me embora batendo a porta, e doido para olhar pra trás e vê-la olhando pela janela, já chorosa. Mas não o fiz. O que ela iria pensar ? Que eu havia me arrependido ? No fundo, sei que ela também não foi à janela. E se eu a visse, o que iria pensar ? Que havia se arrependido ? Não, éramos realmente mãe e filho.
Mais ou menos quando a porta se bateu, fui trazido novamente ao meu corpo. Rí, ao ver que a rapadura que agora me deixava besta, era mais ou menos a mesma daquela época. Tive vontade de levar um pedaço para ela, mas não só a rapadura ainda era a mesma...

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Esse cheiro de moqueca que arrepia as pernas, vinha da casa de dona Bereta, e a essa altura, a vizinhança toda já sabia que algo havia de novo. Era casa de gente humilde, dendê e leite de côco so se misturavam em ocasiões bastante especiais. E naquele dia, Lêda, sua neta, estava juntando seu dendê, com o leite de côco de Beto. Era uma folia só. O povo todo cantando, o povo todo feliz, e até se esqueciam do motivo que os trazia alí. Era uma beijinho no noivo, um segredinho no ouvio da noiva e lá iam os visitantes, pro meio da gandaia.
Lá no canto, contando com quantos paus se fez aquela canôa, penava Dedéia. A coitada havia colocado o arroz no fogo, e agora parecia aguardar a festa acabar, pra começar a limpar tudo. Mas só parecia. Na bem da verdade, o que a menina queria mesmo, era juntar o dendê dela. Com a irmã se casando, tava fácil de virar piada. Daí a pouco começavam os comentários de que Dedéia não sabia fazer moqueca. Crendeuspadi !!! Quem quer uma merda de vida dessa ?
Viu de longe Vicente chegar. Mediu a criatura dos pés à cabeça, e achou que dava um caldo. Mas caldo do bom. Aquele muqe pulando dos braços, aquele cangote suado e cheiroso, chega faziam a respiração de Dedéia se atrapalhar.
Achou que ele era o homem. Na verdade, sempre achara. Mas nunca, nunquinha tinha feito nada com um homem. Nem beijo, que dirá pensar nele em cima dela, fazendo essas coisas que se contam por aí. So de pensar... balançava a cabeça como a tentar afastar uma má idéia. Sempre que pensava no Vicente fazendo essas coisas, sentia um calor sair de dentro dela. E se arrepiava, e se sentia mais do que era antes. Menino !!
Resolveu que dessa vez seria diferente, passou a mão pela barriga, como a esquentar o frio que havia dentro dela. Iria fazer o que nunca houvera feito: depois de quase 8 anos de observação, iria falar com ele. Mas não iria falar bobagem. Estava decidida a casar, e iria acabar por decidí-lo também. Arrastou a sandalia pra dentro do pé, olhou pra dentro de sí mesma, levantou a camisa até bem acima do umbigo, dobrou a saia até dar vontade de ver mais em cima, e foi quase correndo agarrar o braço do rapaz. Olhou-o por uns dois minutos e ouviu alguém, ou ela mesma gritando:
-Dedéia, vem tirar o arroz do forno Quenga !!!