quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Só então foi capaz de entender que se tratava de um tipo demasiadamente incomum. Muito menos pelo penteado desajeitado ou pelas roupas descombinadas, mas por algo no olhar, na respiração descontrolada, no amor desmedido. Estivera ouvindo isso por toda sua vida. Os vizinhos comentavam, a professora notava, o jardineiro do bairro advertia: tratava-se de um tipo demasiadamente incomum. Quando Eduardo Santa Cruz deitou-se pela primeira vez com aquela mulher, o mundo inteiro pôde dar-se conta, pelo cheiro de pitanga que emendou-se no ar, ou pela leveza que os objetos tomaram naquele momento, que era algo inédito para os entediados olhos do mundo. A camisa mal abotoada, deixava os botões e os parafusos soltos. Por mais de uma vez viu-se assobiando músicas misturadas, esbarrando-se em mesas improváveis, inventando palavras indizíveis, argumentando, em vão, contra dissabores.
Era impossível medir seus batimentos cardíacos. Da primeira vez em que foi levado a um médico, diagnosticou-se: hipertenso. Da segunda: hipertenso. E da terceira, da quarta. Não havia tratamento que resolvesse. O coração de Santa Cruz parecia fora de controle, e houve quem dissesse que suas batidas podiam ser notadas até mesmo num fio de cabelo. Somente quando deitou-se com aquela mulher, o diagnóstico se fez preciso: tratava-se de um hiperamante. Um hiperamante de tipo demasiadamente incomum.
Por mais de uma tarde, Santa Cruz esteve com o olhar pousado sobre aquela mulher esperando contagiá-la com o seu amor, com seus batimentos ou com suas vontades. Nunca foi capaz. Fôra sempre um homem de despaixões. O jeito como movia as pálpebras tão atento ao nada, ou como encostava-se no balcão do café, como quem apoia a própria alma nos cotovelos, eram demasiadamente incomuns para torná-lo desejado.   Desde o dia em que, da janela, aquela mulher não correspondera aos seus olhares, aos seus pedidos, Santa Cruz entedera que seria sempre assim. Passou a procurá-la desenfreadamente em outras janelas, em outros lençóis, e tudo o que encontrou foram novas despaixões.
No dia em que finalmente, por sorte, ou depois de ter inventado todo tipo de  rezas fortes , aquela mulher cansou-se de tipos demasiadamente comuns, ou simplesmente porque Deus, um tipo demasiadamente bondoso, fez com que seu olhar se atirasse nas redes de Eduardo, o mundo girou ao contrário. Santa Cruz também. Daquele dia em diante, viu seus medos mais de perto, o cabelo assanhou-se ainda mais e tudo o que era certeza, se aduvidou. Pôde enfim perceber que que se tratava, definitivamente, de um tipo demasiadamente incomum e não podia esperar daquela mulher um amor com aquelas vestimentas. Há quem diga, sem nenhuma dúvida, que a partir de então o mundo tem se perguntado onde guardar todo aquele sentimento. Os mais radicais arriscam que os tribunais supremos das sentimentalidades já transmitiram esse, para um caso intergalático por ocasião de a Terra não comportar tantas cores. Sobre o que ninguém, nem Deus, pôde ensaiar desconcordância, trata-se de um amor demasiadamente amor.

Um comentário:

Isadora Sodré disse...

você escreve parecido com o Gabriel García Márquez.
como eu me orgulho de você (: