quinta-feira, 29 de outubro de 2009

- Eu já lhe disse mil vezes que mulheres, pra mim, são um desconcerto. Me acometem de um modo que eu não permito nem que doses de Cuba Libre o façam. Mas, afinal, vocês tem vontade própria. Por vocês e por nós. Pulando de bar em bar, de café em café, de madrugada em madrugada, eu me sentia cada vez mais vazio.Sabe como é ? Quem olhasse sem cuidado, podia dizer : "tempos de fartura". Mas, eu e os meus botões desabotoados, sabíamos que se tratava de tempos de pura falta. As pernas que se cruzavam e desprendiam nos cafés, as dançarinas que despiam-se da roupa e do peso, sempre me deixavam a sensação de que o drink estava acabando, entende ? Seria indelicado lhe contar os pormenores dessas noites, mas eu e você sabemos que elas não são o que há de mais correto no mundo.
Apagou o charuto, sorriu como um derrotado e continuou:
- Acontece que me apareceu um par de cachos numa madrugada dessas. E nessa hora, Matilde, na hora em que eu fico sem vontade de fumar charuto, é porque há algo que me desgoverna. São os melhores sintomas: começo parando de fumar, e em duas ou três semanas já nem me dou conta das saias curtas no meio da rua. O que é, se a gente vê bem, um grande prejuízo para os olhos.
- Você está preso nos cachos ?
- Ora, Matilde ! Você me pergunta como se não soubesse. Quem você pensa que eu sou ? O que há são dúvidas. Na primeira vez em que o vento balançou aqueles cachos na minha direção, eu fiz que não vi. Eu neguei. Mas não deu pra fazer isso por muito tempo. Funcionou no início, mas não por todo o tempo. Quem eu pensei que era ? Está provado que não é possível resistir a um tango que se dança com os olhos, com um cruzar de pernas, ou com um desatar de cabelos.
- Você a quer ?
- Trata-se de uma mulher, Matilde. Uma mulher não permite que você a queira.  Elas é que precisam desejar. Quem teima em desejar mulheres paga caro. E todos conhecemos bem o preço. Conhecemos quando conversamos com as estrelas do céu da cama, nas madrugadas permeadas por cada pergutna, quando gastamos paredes lembrando, quando fazemos versos de cada desimportância diária. É diabólico, Matilde... É diabólico.
- Se lhe preocupa é porque você já foi pego. Essa coisa de estar encantado foge ao nosso controle, doutor. A gente, sem mais nem menos, se pega sentado na sala conversando com a empregada sobre o assunto,sabe ? Mas isso é coisa boa, doutor. Eu não me preocuparia. Daqui a uns dias o senhor pode me pedir emprestado o lenço ou o ouvido. Mas o que é que a gente pode fazer na vida senão caminhar ? E quando a gente se encanta, doutor, a gente caminha com mais certeza. Certeza de não ter certeza. Aí tudo faz parecer música. A gente lava os pratos sem reclamar. A gente fuma o charuto com a própria alma. A gente conversa com a empregada, e com qualquer móvel da sala que se proponha a ouvir. Só pode ser coisa boa.
Mariano Gutiérrez esticou as pernas e as saudades sobre a escrivaninha. Olhou pela janela e deixou escapar:
- Quando eu me enrolo naqueles cachos, Matilde, eu sinto que, aos 72 anos, entendo muito menos as mulheres do que durante toda a minha vida. Mas cada vez que ela amarra os cabelos, eu tenho menos vontade de entender.

3 comentários:

maria e as baleias disse...

"Daqui a uns dias o senhor pode me pedir emprestado o lenço ou o ouvido."

Reinofy Duarte disse...

Será que Matilde entendeu? Como ela poderia, coitada?

Lorena disse...

Adorei!