segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Eu vou lhe dizer uma última coisa, Maurício: amores novos acontecem. Não adianta a gente se esconder por detrás do passado. A gente tem que cuidar do amor, senão ele engole a gente. Nos desenhos que eu fazia, havia eu e você. Não há mais, Maurício. E isso, meu caro, deixa o meu pincel à mercê de qualquer paixonite, de qualquer emoção rasante que me apareça, e que me provoque de novo aquelas dúvidas, aquela angústia, aquele medo infantil de me ferir tocando.De uma coisa, esteja certo: Eu vou completar o meu desenho. O buraco que você deixou na parede da minha existência será tapado, ainda que isso me custe um caminhão de tintas. Será que você me entende, Maurício ? Será que pensava nisso quando olhava para cada rabo de saia, para cada cabelo solto, para cada salto alto ?
No nosso aniversário de casamento, eu lembro, você disse que me amava. Eu lia nos encartes de CD as frases de amor, e achava que estavam falando sobre nós. Talvez eu tenha errado. Falavam somente sobre mim, não era mesmo ? Você insiste em dizer que me ama. Eu já não caibo nessas paredes. As paredes do nosso amor, foram sendo infiltradas pela saudade. A saudade de tudo o que não foi. Agora, Maurício, agora que você terá tempo livre para olhar para quantas garotas lhe apetecerem, eu vou ler todos os livros que falem de amor. Todos esses livros que eu deixei na estante por tanto tempo, por que acreditava que sabia o que era o amor. Todos sabemos, Maurício. E você, nesse seu jeito estúpido de me querer, também deve ter alguma razão.
Eu quero frio na barriga. Há um rapaz que volta e meia me manda um poema. Eu vou me deitar com ele. Vou me deitar com ele em todos os gramados e todos os lençois onde estiver bordado em letras garrafais a palavra Amor. Vou fugir com ele por todos os caminhos, por todas as estradas, e por todos os desvios, onde estiver uma placa indicando a direção do Amor. Eu não me importo em não conhecê-lo. Porque aos 72 anos, a única coisa que ainda me interessa conhecer é o Amor.
Salvador, Ainda Primavera de 1964.

sábado, 29 de agosto de 2009

Encontrara Cecília num livro de Gabriel Garcia. Imaginou seus olhos cor-de-lua, e sentiu-se anoitecido. Pensou no seu cabelo cor-de-mel, e sentiu-se adocicado. Quando o vento balançava os cabelos de Cecília, sabia-se encaracolado. Pregou no mural do seu pensamento frases e cores que diria para a moça, caso a encontrasse. Continuou procurando. Em cada página do livro,em cada livro.
Augusto estava errado. Os olhos da moça não eram cor-de-lua. Os olhos de Cecília tinham todas as cores do cinema. Mudavam de acordo com a estação do ano, com a fase da lua,de acordo com a cor do vestido, e combinavam com qualquer bolsa e qualquer sapato. O cabelo de Cecília, não era Encaracolado. Tinha o formato de qualquer ritmo, de modo que, ondulavam-se na Rumba, alisavam-se na valsa, encaracolavam-se no baião, e divertiam-se no samba.  Acontece que Augusto não ficaria sabendo de nada disso, não fossem pelas fotografias.
Quando viu pela primeira vez uma foto da moça, sentiu-se em preto e branco. Foi invadido por micro-flashs de emoções,e foi capturado por uma rede de foto-euforias. Na fotografia, Cecília era capaz de se movimentar, de ir e vir, de ser e de estar na imaginação do rapaz. Cecília teve mil e um amores, e mil e um amantes fotogênicos como ela, sem saber, nem de perto, que lá estava Augusto a ser capturado por cada click da sua máquina.
Diante das fotos da moça, era sempre meio dia no coração de Augusto.
Nunca souberam um do outro. Nunca se viram pessoalmente. A voz de Cecília, pousou nos pensamentos do rapaz por muitas e muitas tardes.
Dizem que impressionando-se, sem impressionar, fotografando-se por fotografias, e embralhando-se nas redes de sorrios e olhares fotográficos, Augusto inventou as primeiras moléculas de um amor à primeira vista.